quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O anjo negro e o senhor da selva.

O anjo olha para o horizonte e seu leão, fiel e feroz companheiro, descansa tranquilo. Tudo está feito.
No apartamento os homens chegaram tarde, não se pode fazer mais nada para machucá-lo. Aquele ser já se libertou de sua matéria.
Nem a clava pode feri-lo, nem a rede pode prendê-lo. Sua essência já corre pelo universo graças ao bom anjo negro e seu feroz amigo, que cuidou de atrair a atenção para si enquanto o anjo trabalhava.
Não é o ser que está morto na cama. A imagem é que é a morte do homem, ela pode apenas representar algo que não está mais lá.
E os curiosos de plantão tentam entender a situação. Mas não há como entender a vida, quando o que se pensa vida é um homem no caixão.
Um som ao fundo invade a cena: bííí, bííí... Saio da embriaguez do sono e abro os olhos para minha realidade. São seis horas da manhã, é hora de levantar para trabalhar. Foi um sonho!
Levanto e vou abrir a janela, lá fora avisto a ponte, um homem de preto está debruçado nela.
Me troco ao som de meu antigo gramophone. Saio do aparetamento em direção aminha selva de pedra, aí outro som vem e me atormenta: um rugido de leão.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

resposta ao ataque de veja a Paulo Freire.

Na semana passada, a viúva do educador Paulo Freire, Ana Maria Araújo Freire, escreveu uma carta de repúdio à revista Veja, em decorrência de reportagem publicada na edição de 20 de agosto, intitulada 'O que estão ensinando a ele?'. De autoria das jornalistas Monica Weinberg e Camila Pereira, a reportagem foi baseada em uma pesquisa sobre a qualidade do ensino no Brasil. Em um determinado trecho da reportagem, lê-se:
'Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em classe mereceriam um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro argentino Che Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização. Entre os professores ouvidos na pesquisa, Freire goleia o físico teórico alemão Albert Einstein, talvez o maior gênio da história da humanidade. Paulo Freire 29 x 6 Einstein. Só isso já seria evidência suficiente de que se está diante de uma distorção gigantesca das prioridades educacionais dos senhores docentes, de uma deformação no espaço-tempo tão poderosa, que talvez ajude a explicar o fato de eles viverem no passado'.

Diante disso, Ana Maria Araújo Freire escreveu a seguinte carta de repúdio:
'Como educadora, historiadora, ex-professora da PUC e da Cátedra Paulo Freire e viúva do maior educador brasileiro PAULO FREIRE -- e um dos maiores de toda a história da humanidade --, quero registrar minha mais profunda indignação e repúdio ao tipo de jornalismo, que, a cada semana a revista VEJA oferece às pessoas ingênuas ou mal intencionadas de nosso país. Não a leio por princípio, mas ouço comentários sobre sua postura danosa através do jornalismo crítico. Não proclama sua opção em favor dos poderosos e endinheirados da direita, mas , camufladamente, age em nome do reacionarismo deste.
Esta vem sendo a constante desta revista desde longa data: enodoa pessoas as quais todos nós brasileiros deveríamos nos orgulhar. Paulo, que dedicou seus 75 anos de vida lutando por um Brasil melhor, mais bonito e mais justo, não é o único alvo deles. Nem esta é a primeira vez que o atacam. Quando da morte de meu marido, em 1997, o obituário da revista em questão não lamentou a sua morte, como fizeram todos os outros órgãos da imprensa escrita, falada e televisiva do mundo, apenas reproduziu parte de críticas anteriores a ele feitas.
A matéria publicada no n. 2074, de 20/08/08, conta, lamentavelmente com o apoio do filósofo Roberto Romano que escreve sobre ética, certamente em favor da ética do mercado, contra a ética da vida criada por Paulo. Esta não é, aliás, sua primeira investida sobre alguém que é conhecido no mundo por sua conduta ética verdadeiramente humanista.
Inadmissivelmente, a matéria é elaborada por duas mulheres, que, certamente para se sentirem e serem parceiras do 'filósofo' e aceitas pelos neoliberais desvirtuam o papel do feminino na sociedade brasileira atual. Com linguagem grosseira, rasteira e irresponsável, elas se filiam à mesma linha de opção política do primeiro, falam em favor da ética do mercado, que tem como premissa miserabilizar os mais pobres e os mais fracos do mundo, embora para desgosto deles, estamos conseguindo, no Brasil, superar esse sonho macabro reacionário.

Superação realizada não só pela política federal de extinção da pobreza, mas , sobretudo pelo trabalho de meu marido – na qual esta política de distribuição da renda se baseou - que demonstrou ao mundo que todos e todas somos sujeitos da história e não apenas objeto dela. Nas 12 páginas, nas quais proliferam um civismo às avessas e a má apreensão da realidade, os participantes e as autoras da matéria dão continuidade às práticas autoritárias, fascistas, retrógradas da cata às bruxas dos anos 50 e da ótica de subversão encontrada em todo ato humanista no nefasto período da Ditadura Militar.
Para satisfazer parte da elite inescrupulosa e de uma classe média brasileira medíocre que tem a Veja como seu 'Norte' e 'Bíblia', esta matéria revela quase tão somente temerem as idéias de um homem humilde, que conheceu a fome dos nordestinos, e que na sua altivez e dignidade restaurou a esperança no Brasil. Apavorado com o que Paulo plantou, com sacrifício e inteligência, a Veja quer torná-lo insignificante e os e as que a fazem vendendo a sua força de trabalho, pensam que podem a qualquer custo, eliminar do espaço escolar o que há de mais importante na educação das crianças, jovens e adultos: o pensar e a formação da cidadania de todas as pessoas de nosso país, independentemente de sua classe social, etnia, gênero, idade ou religião.

Querendo diminuí-lo e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja os dá o direito de concluir que os pais, alunos e educadores escutaram a voz de Paulo, a validando e praticando. Portanto, a sociedade brasileira está no caminho certo para a construção da autêntica democracia. Querendo diminuí-lo e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja nos dá o direito de proclamar que Paulo Freire Vive!

São Paulo, 11 de setembro de 2008
Ana Maria Araújo Freire

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O SOM E O CHEIRO

São seis horas da manhã, a casa está agitada, o cheiro do café e do
chá que vem subindo pela escada junto ao som do violino que é tocado
na sala e do chuveiro no banheiro ao lado do quarto.

É hora da escola, minhas duas tias professoras estão se preparando
para o longo dia na escola, enquanto eu e minhas duas irmãs somos
trocadas pela minhã mãe e pela minhã tia Luzia que trabalha a tarde.

Lá embaixo meu vô para de tocar o violino e pega o telefone cinza da
telesp que fica em cima do órgão e liga para a estorinha. Desço e
escuto a estórinha da chapeuzinho vermelho, acaba e vou pra mesa tomar
café enquanto minha irmã gêmea vai para o telefone, enquanto isso
minha irmã mais nova dois anos, com 5 agora, está deitada no sofá, que
fica próximo ao órgão, com sua mamadeira de chocolate quente enquanto
espera sua vez.

Enquanto tomamos o café na cozinha, que para mim naquele tempo era
gigante, minhã mãe prepara as lancheiras e as tias penteiam nossos
cabelos compridos até quase arrancar do coro cabeludo. Alguns minutos
se passam e ouvimos a buzinha, bííí.. bííí, é a perua chegando, esta
na hora de entrar na vida pública.