terça-feira, 20 de novembro de 2007

Esperando o esquife passar. Thais Cavalcanti dos Santos

O esquife ainda passa, o luto ainda não cessou. Como são muito recentes crimes bárbaros supostamente cometidos por adolescentes, os holofotes ainda permanecem sobre a discussão acerca da maioridade penal.
Tecnicamente são inimputáveis aqueles indivíduos que não possuem amadurecimento necessário para dirigir de maneira consciente suas condutas. Para evitar sujeitar o adolescente, teoricamente um ser ainda em “formação” (intelectual, cultural, ideológica), à desequilibrada relação com o poder estatal representado pela “Justiça” e pelas leis penais, a legislação brasileira poupa o menor infrator do julgamento e da punição a que sujeita os criminosos comuns.
Apesar disso, quando, por exemplo, há comoção em torno de crimes cometidos por adolescentes, não é raro aparecer a cobrança de condutas punitivas severas as quais, em outros contextos, seriam “condenáveis” como algo “desumano” ou “demasiadamente excessivo”. Nessas ocasiões, a vingança e a sujeição a julgamento e a penas tão severas quanto as já previstas para maiores de 18 anos soam não só como “naturais”, mas até “indeléveis” aos ouvidos de grande parte dos cidadãos. É o que se observa atualmente quando o Congresso Nacional reúne-se, às pressas, para discutir e votar lei de redução da maioridade penal como panacéia para parte dos problemas de segurança pública.
Contudo, a indignação diante de crimes como o ocorrido com o menino João Hélio, embora seja compartilhada pelos representantes legislativos, não se canaliza para a reformulação das bases de formação dos jovens, especialmente daqueles que mais carecem da “mão invisível do Estado” a seu favor.
Enquanto o consumo – de bens e de valores – determina o comportamento e o imaginário dos jovens em geral, a ausência total ou parcial do poder público em inúmeros ‘bolsões de pobreza’ do país empurra para a criminalidade e para a desvalorização da figura humana milhares deles. Estes serão os “pivetes” que aterrorizarão a classe média nos sinaleiros das grandes cidades e que não hesitarão em preferir o tênis que pode lhes conferir status à manutenção de uma vida que, para eles, nada significa.
Soa, portanto, simplista a visão de que seria um “desvio de caráter” ou uma “personalidade psicopática” que deve ser logo afastada do convívio social, como preferem caracterizar alguns. Esses jovens são, em grande medida, fruto da desigualdade, dos valores e padrões que ajudamos a reproduzir, ou seja, de uma lógica perversa segundo a qual o desejo de “vencer”, “ser melhor” e “ter o que os outros não têm” deve balizar até a escolha da margarina para o café da manhã.
Dessa forma, quando falta a estrutura mínima para a adequada formação intelectual e cultural do jovem não é possível falar em imputabilidade. Se é verdade que a idade biológica não determina o grau de consciência de um jovem, o simples fato de o cidadão de classe média considerar “universais” e amplamente conhecidas algumas prerrogativas humanistas como o direito à vida e à propriedade não significa que elas sejam, de fato, acessíveis a todos.
Assim, não fará diferença para um jovem infrator de 14, 16 ou 18 anos a “jaula” a que será encaminhado, ou seja, se irá para uma instituição de menores ou para um presídio comum. De qualquer maneira o atual sistema de encarceramento não visa à sua reeducação ou recuperação. Ora, não se recupera aquilo que não chegou a se formar ou integralizar; assim como não se pode lembrar algo que nunca se conheceu. Trata-se simplesmente de distrair a platéia enquanto se espera o esquife passar.

Um comentário:

Anônimo disse...

A autora está corretissíma. Vivemos um Estado Prisional. Foi-se como uma miragem a possibilidade da construção de um Estado Democrático de Direito na periferia do capitalismo.
Os casos da adolescente presa em cadeia para adultos no Pará e o do menor torturado e morto recentemente por PMs em Bauru-SP, não se tratam de casos isolados em nosso país como querem crer. O governador Serra, por exemplo, "prefere" investir em CDPs do que na implantação da Defensoria Pública em SP. Calcula-se que dos 5 mil adolescentes encacerados em SP, apenas 600 deveriam estar sob o regime de confinamento, pelas regras dos "hommis", caso eles tivessem o comezinho direito pleno à defesa. Para o capitalismo neoliberal tupiniquim tanto a construção de presídios como a política de encacerramento é um bom negócio, seja por movimentar milhôes e mais ainda por impor uma disciplina aspirada pelo "bem comum" sob o regime do pânico da insegurança geral.
Heder Sousa