segunda-feira, 29 de outubro de 2007

A função social de FHC

Hoje em dia, qualquer reportagem que der na telha de um dos magos do telejornalismo - em geral, gente que nunca fez reportagem de televisão - é realizável. Existe um exército de "especialistas" e "personagens" à disposição, loucos para botar a cara na telinha.

Funciona assim: a tese vem pronta do aquário onde se reúnem os chefes. Um produtor precisa arranjar algum entrevistado para endossar a tese. Pede ajuda a um assessor de imprensa, que ganha para promover empresas ou indivíduos. Portanto, é do interesse do assessor emplacar o entrevistado numa reportagem. Quanto maior for a audiência, melhor, uma vez que "especialistas" tornam-se cada vez mais "especialistas" quanto mais gente achar que eles são "especialistas".

Nesse processo, ninguém quer palpite de repórter. Repórter às vezes pensa, às vezes descobre fatos que contradizem a tese do aquário, às vezes sabe que aquele entrevistado fala qualquer coisa para aparecer na televisão.

Quem aparece na televisão ganha credibilidade ou vira celebridade. Celebridade ganha camiseta para ir ao camarote da Brahma no Carnaval. Já a credibilidade televisiva resulta em convites para palestras pagas, vendas de livros e outros benefícios. A TV, especialmente no Brasil, funciona como um carimbo de aprovação, dado que o contraditório foi banido da telinha. Ou seja, o entrevistado sabe, ao dar a entrevista, que jamais será contestado por uma voz discordante.

No caso específico do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, vocês acham que com a idade que tem ele vive saindo do Brasil porque gosta de aeroporto? O homem ganha para fazer discurso. Ganha para falar mal do Lula ou dizer que existe um mal estar no Brasil - "malaise", como ele disse à BBC, um mal estar à francesa. Quanto mais polêmica FHC cria, mais aparece na mídia e maior o valor "de mercado" de sua falação.

FHC mata três coelhos com uma cajadada só: embolsa alguns milhares de dólares, aplaca sua vaidade pessoal e fala mal do Lula e do Brasil. Mal do Lula porque FHC não aceita que qualquer outro líder tenha sido melhor que ele. Se ele e Gandhi tivessem sido contemporâneos, o indiano estava frito. Mal do Brasil porque a elite branca que sustenta a mídia golpista adora quem fala mal do Brasil. É uma forma de justificar a vida que leva em um universo paralelo. É uma forma de justificar o gasto de 500 reais mensais com o bicho de estimação, que sobe pelo elevador social, enquanto a criadagem ganha R$ 380, se ganha, e anda de elevador de serviço.

Se o Brasil é uma droga mesmo, qual é o sentido de pagar impostos? Qual é o sentido de manter um Congresso? Qual é o sentido de assumir a responsabilidade pelo país? Qual é o sentido de apresentar um projeto alternativo? "Ora", dizem eles, "será que vocês não sabem que somos vítimas de um mal estar? O FHC falou na BBC que sofremos de 'malaise'. Ainda estamos em estado de choque com o furto do relógio do Luciano Huck".

A elite precisa dos discursos de FHC e das capas da Veja para justificar o que ela NÃO faz para enfrentar os problemas do Brasil real. Ela é parte de um Brasil distinto, superior, estudado, em que os negros não enxergam racismo, em que ninguém recorre ao Bolsa Família (isenções fiscais e empréstimos do BNDES a juros privilegiados não contam), que endossa a barbárie da tropa de elite contra a barbárie dos morenos, que concede meia página de jornal para um mauricinho choramingar a perda de um relógio.

Esse Brasil imaginário é formulado todo dia por meia dúzia de "eleitos", por uma panelinha cuja maior referência é o umbigo (o próprio e o dos outros cinco). Esse bombardeio contínuo é trabalho de convencimento da classe média, o que nos leva ao paradoxo de ver jovens "remediados" defendendo com unhas e dentes o interesse da elite à qual ambicionam, mas jamais vão pertencer. A obra ficcional dos "eleitos" você encontra todos os dias nas bancas de jornal. Ou todas as noites, entre duas novelas.

Nesse caso, em particular, eles vivem tentando ganhar o Emmy, quando deveriam disputar o prêmio Jabuti de ficção. Jabuti? Eles odeiam Jabuti. Que tal o Pulitzer?

Publicado em 15 de outubro de 2007

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