sábado, 29 de dezembro de 2007

Reverência ao destino por Carlos Drummond de Andrade

Falar é completamente fácil,

quando se tem palavras em mente

que expressem sua opinião.

Difícil é expressar por gestos e atitudes

o que realmente queremos dizer,

o quanto queremos dizer,

antes que a pessoa se vá.

Fácil é julgar pessoas

que estão sendo expostas pelas circunstâncias.

Difícil é encontrar e refletir sobre os seus erros,

ou tentar fazer diferente algo que já fez muito errado.

Fácil é ser colega,

fazer companhia a alguém,

dizer o que ele deseja ouvir.

Difícil é ser amigo para todas as horas

e dizer sempre a verdade quando for preciso.

E com confiança no que diz.

Fácil é analisar a situação alheia

e poder aconselhar sobre esta situação.

Difícil é vivenciar esta situação

e saber o que fazer ou ter coragem pra fazer.

Fácil é demonstrar raiva e impaciência

quando algo o deixa irritado.

Difícil é expressar o seu amor a alguém

que realmente te conhece,

te respeita e te entende.

E é assim que perdemos pessoas especiais.

Fácil é mentir aos quatro ventos

o que tentamos camuflar.

Difícil é mentir para o nosso coração.

Fácil é ver o que queremos enxergar.

Difícil é saber que nos iludimos

com o que achávamos ter visto.

Admitir que nos deixamos levar,

mais uma vez, isso é difícil.

Fácil é dizer "oi" ou "como vai?"

Difícil é dizer "adeus",

principalmente quando somos culpados pela partida

de alguém de nossas vidas...

Fácil é abraçar, apertar as mãos,

beijar de olhos fechados.

Difícil é sentir a energia que é transmitida.

Aquela que toma conta do corpo

como uma corrente elétrica

quando tocamos a pessoa certa.

Fácil é querer ser amado.

Difícil é amar completamente só.

Amar de verdade, sem ter medo de viver,

sem ter medo do depois.

Amar e se entregar,

e aprender a dar valor somente a quem te ama.

Fácil é ouvir a música que toca.

Difícil é ouvir a sua consciência,

acenando o tempo todo,

mostrando nossas escolhas erradas.

Fácil é ditar regras.

Difícil é seguí-las.

Ter a noção exata de nossas próprias vidas,

ao invés de ter noção das vidas dos outros.

Fácil é perguntar o que deseja saber.

Difícil é estar preparado para escutar esta resposta

ou querer entender a resposta.

Fácil é chorar ou sorrir quando der vontade.

Difícil é sorrir com vontade de chorar

ou chorar de rir, de alegria.

Fácil é dar um beijo.

Difícil é entregar a alma,

sinceramente, por inteiro.

Fácil é sair com várias pessoas ao longo da vida.

Difícil é entender que pouquíssimas delas

vão te aceitar como você é e te fazer feliz por inteiro.

Fácil é ocupar um lugar na caderneta telefônica.

Difícil é ocupar o coração de alguém,

saber que se é realmente amado.

Fácil é sonhar todas as noites.

Difícil é lutar por um sonho.

Eterno,

é tudo aquilo que dura uma fração de segundo,

mas com tamanha intensidade,

que se petrifica,

e nenhuma força jamais o resgata.


Carlos Drummond de Andrade

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