“O Inferno somos nós.”
Marilena Chauí
Tentando entender o trabalho docente a autora relata sua pesquisa que tem como objetivo “efetuar um recorte do imaginário social dos professores do município do Rio de Janeiro evidenciando as suas representações do próprio trabalho”.
Partindo da ótica psicanalista ela percebe uma heroicização do docente, que luta e se sacrifica numa batalha sem fim, repetida a cada nova turma. O discurso foi analisado levando em consideração o imaginário e a ideologia. A pesquisa indicou que os professores se representam como heróis “que salvam as pessoas da ignorância”, mas acabam se perdendo nela.
A moral judaico-crista que herdamos separa o trabalho e o gozo, e o professor deformado pelo trabalho cobre seu sofrimento material com um prazer imaginário proporcionado pela “arte de ensinar”. A resistência a aceitar sua condição de trabalhador assalariado levá-os a reverenciar o “status” da profissão.
Na pesquisa apareceram representações defensivas, colocando o professor na posição de herói que se eterniza através dos alunos. A idéia de vocação ameniza o sofrimento, e dignifica o trabalho docente. Processos defensivos, com excesso de explicações e fuga de conflitos, ficaram evidentes, assim como a tendência a chamar para os professores a responsabilidade de reversão do quadro atual através dessa martirização e não da luta político-sindical. O amadurecimento e sofrimento são encarados como ritos de passagem.
Também esteve presente um fenômeno deformacional, onde professores relacionam-se com símbolos gloriosos, heróicos ou depreciativos, distanciando de uma forma ou seu trabalho da proletarização real.
O saber como arma sagrada do professor para salvar os alunos; o futuro glorioso atribuído ao papel simbólico do dono da escola, que organiza o mundo desprovido de sentido; a heroicização do magistério; a imagem do outro, o mau professor, autoritário, desinteressado, desatualizado, individualista e despolitizado, que habita cada um deles; a tendência para o sacrifício, incluindo baixos salários e o trabalho excessivo, responsabilizando as autoridades, os alunos difíceis, as famílias dos mesmos e os meios de comunicação de massa; o futuro heróico envolto em projetos educacionais de cunho social, que melhorarão o cenário da educação no Brasil; são noções que auxiliam o professor a superar algumas inferioridades e assim resolver de forma imaginária seus conflitos.
Vários tipos de heróis desfilaram nesta pesquisa, o cristão, o delirante e o mitológico. Só faltou o herói político, aquele que, segundo Arendt, é revelado pela história e cuja coragem fundamental esta na disposição para agir e para falar, em situações que todos calam.
Talvez, os educadores estejam sofrendo os efeitos que Tamarit chamou de “curva ideológica”, referindo-se ao pensamento pós-moderno que na América latina, lançou por terra a tradição revolucionária.
OLIVEIRA, Eloiza da Silva Gomes de. Trabalho do professor – trabalho de Sísifo? A heróica dimensão imaginária da docência. In: VIELLA , Maria dos Anjos Lopes(Org.) Tempos e Espaços de Formação Chapecó: Argos, 2003.
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