quinta-feira, 10 de julho de 2008

Resposta a Secretária de Educação de SP Parabéns para essa supervisora!!!


Vocês que já são Professores ou que estão se preparando

para tal...Leiam com muita atenção esse desabafo de uma

Supervisora de Ensino Público...
Assunto: Resposta a Secretária de Educação de SP
Olá. ´Todos contra esse modelo de educação em SP´.
Analisando afirmações da Secretária
Senhora Secretária,
Quero aqui expressar, com todo o respeito, a opinião de

uma profissional que pensa que a educação pública de

boa qualidade é fundamental para o desenvolvimento

do país e que, por isto mesmo, tem orgulho de pertencer

ao Quadro do Magistério Estadual Paulista. Tenho
15 anos de trabalho na Escola Pública de São Paulo,

11 dos quais em sala de aula e os últimos 04 na

Supervisão de Ensino. Tenho lido com muita apreensão

algumas matérias que saem nos jornais e na Revista

´Veja´ que, a meu ver, têm colocado a maior parte da

responsabilidade dos males da educação nos professores

e gestores escolares, sem, contudo, fazer uma reflexão

mais profunda sobre esta situação.
Concordo que há um número grande de professores sem

condição para assumir uma sala de aula. Mas há que se

perguntar: por que isto acontece? Se a justificativa do

fracasso da educação está neste fato, por que aceitar

professores tão mal formados? É triste pensar que

boa parte dos professores é formada em cursos que

não preenchem os mínimos requisitos para formar

bons professores. Não posso deixar de pensar que isto

parece uma política muito bem pensada. Professores

mal formados formam mal seus alunos e, por isto mesmo,

não têm o direito de receber salários dignos de um bom

profissional. Os bons profissionais acabam abandonando

a carreira pois não são valorizados tanto financeiramente,

como do ponto de vista social. Nem o Estado, nem a

sociedade respeitam estes profissionais. E como resgatar

o respeito perdido perante a sociedade, se toda campanha

que o governo e a mídia em geral fazem por uma educação

de qualidade, é uma campanha contra os professores,

sempre apontados como os grandes culpados pela situação

da escola pública?No entanto, quando alguns de nós

afirmamos que é preciso fiscalizar, com mais firmeza,

os cursos para que passem a formar professores competentes,

lá vem aquela ´baboseira ideológica´ (me desculpe por

emprestar sua expressão) de que somos um bando de

castristas autoritários.Ninguém reclama quando a

vigilância sanitária fecha um estabe-lecimento que não

segue as mínimas regras – afinal é uma questão de saúde

pública. Mas quando falamos da necessidade de fiscalizar

as instituições de ensino superior e tomar atitudes firmes

contra aquelas que formam mal, é uma gritaria geral.Em

uma entrevista à ´Veja´ a senhora afirma que ´num mundo ideal´

fecharia as faculdades de pedagogia porque seus cursos são ´exclusivamente teóricos, sem nenhuma conexão com as

escolas públicas e suas reais demandas´ (Veja, 13/02/2008)..

Na verdade, senhora secretária, uma boa parte dos cursos são

vagos mesmo e os alunos não tem aulas de tipo algum, sejam

teóricas, sejam práticas.Penso que qualquer reforma no ensino

básico será infrutífera se não acompanhada de uma reforma

profunda nos cursos que formam professores.Outra questão

reside nas condições de trabalho. Muito tem se falado no

exemplo finlandês, especialmente em matérias da ´Veja´.

Convenhamos, nenhuma delas explica muito bem a situação

dos professores finlandeses, tão citados como exemplares.

Matéria do ´Washington
Post´, disponível na Internet

(washingtonpost.com, acesso em fevereiro de 2007)e intitulada

´Focus on Schools Helps Finns Build a Showcase Nation´,

nos fornece dados que possibilitam ver as diferenças entre

as condições de trabalho dos professores daqui e da Finlândia.

Neste
país, a profissão é valorizada, os professores são respeitados

pela sociedade e se orgulham de sua profissão. Quase todos

são mestres, no mínimo. Será que se formam em cursos vagos,

de fim de semana? Cursos reconhecidos pelo Governo e que

cresceram exponencialmente a partir dos anos 90? Aqui em

São Paulo, até mesmo o programa ´Bolsa Mestrado´ foi suspenso

pelo governador José Serra.
Na Finlândia, os professores não são horistas; são contratados

para trabalhar em uma única escola; têm dedicação exclusiva,

tendo tempo para desenvolver projetos que favoreçam a aprendizagem.Enfim, são professores-pesquisadores, com

condições para tal. Aqui, senhora
secretária, professor da escola pública é horista e dá até

vergonha de dizer quanto vale a hora / aula de um professor.

Para compor o salário os OFAs se deslocam de uma escola

para outra para completar a carga horária. Muitos efetivos de cargo,

para aumentar a renda, acabam acumulando cargo no próprio

Estado ou no Município.Isto sem falar naqueles que também

atuam em escolas particulares. Em relação a esta questão,

outra matéria ´vejiana´ afirma que salário não tem relação

com qualidade de ensino. Citando a Finlândia, afirma que lá

os professores ganham quase o mesmo que a média do

salário nacional, enquanto os professores daqui ganham

cerca de 50% a mais.Ora, eu gostaria de ganhar um

salário igual ao da média nacional, desde que a nossa

média nacional fosse igual à da Finlândia. Como os professores

de lá, com certeza eu não reclamaria. Como diversos

estudos mostram, números são interpretados em função de

nossas intenções e visões de mundo. Como educadora e com

uma visão diferente da ´vejiana´, penso que devemos lutar

por um futuro em que a média dos salários daqui possa se

comparar à de países que oferecem uma vida mais digna

aos seus cidadãos. Aliás, é interessante observar que

matéria da própria ´Veja´ (Veja São Paulo, de 16/04/2008),

mostra que salário tem sim relação com a qualidade de ensino.

A matéria nos informa que a média dos salários dos

professores das 10 melhores escolas no ENEM 2007 é

de R$ 6.000,00. Há professores que recebem mais de

R$ 9.000,00. São professores bem formados, valorizados e

com dedicação exclusiva.

Sei das dificuldades de se arcar com custos de salários tão altos
para os professores das escolas públicas, mas dizer que
ganhamos bem e que reclamamos à toa beira é brincadeira
de mau gosto, para não dizer que parece um discurso ensaiado
e de má fé. Voltando à Finlândia, lá o sistema é ´rich in staff´,
como é afirmado na matéria do ´Washington Post´.
Há funcionários, psicólogos e especialistas em crianças com
necessidades especiais. Já aqui... Lá o sistema seleciona os
melhores professores, pois os valoriza. Aqui o sistema contrata
professores mal formados exatamente porque não os valoriza.
Só quando os professores forem profissionais bem formados,
receberem salários dignos de sua profissão e forem respeitados
enquanto profissionais é que o Estado terá condições de exigir
resultados. Aí sim poderá avaliar e até mesmo criar mecanismos
para excluir aqueles professores que não tenham compromisso
em sua profissão, tal como na Finlândia ou nas escolas
particulares. Do contrário, as avaliações só continuarão a
mostrar o fracasso do sistema.
Penso ser urgente pensar nestas questões, pois não adianta
cobrar melhora nos resultados de aprendizagem se não há um
sistema de contratação de profissionais bem formados, sejam
professores, sejam gestores. Concordo que o problema da má
qualidade de ensino não se resolverá apenas com aumento de
salário dos professores. Mas os profissionais da educação pública
precisam ter seus salários revistos.
Repito: sei das dificuldades de o Estado arcar com uma folha de
pagamento alta como das escolas particulares, mas nosso salário
está vergonhoso e não acredito que o governo do Estado mais
rico da federação não poderia oferecer um pouco mais.
Há também outros problemas que precisam ser enfrentados,
de fato. Acho no mínimo preocupante quando a senhora afirma,
em uma das reportagens (Folha de São Paulo, 25/02/2008),
quando questionada sobre as ´falhas dos governos tucanos´
(Covas, Alckmin), que prefere dizer que os problemas atuais
são estruturais. Não são falhas de um governo que
está aí há anos, não é questão de incompetência. São questões
estruturais. No entanto, quando dizemos que muitos dos problemas
da escola pública são estruturais (salários baixos, lotação, prédios horrorosos, lousas caindo aos pedaços, falta de laboratórios, violência, indisciplina, etc.) ouvimos que isto é reclamação sem fundamento;
que é só saber bem o conteúdo e boas técnicas didático-metodológicas
que tudo se resolveria (isto fica bem claro quando lemos o
´Caderno do Gestor´ que acompanha a nova ´Proposta Curricular´).
Mas quando questionada em uma das reportagens sobre as
condições das escolas, a senhora diz que o governo faz o que pode,
manda verbas, mas à noite a escola é invadida e roubam os fios.
Isto não é contraditório? O governo tem desculpas, não é sua culpa,
é da estrutura e dos vândalos que invadem a escola. Agora, quando
um professor tem que enfrentar uma classe lotada, sem a mínima
estrutura, ele tem que se virar. Não tem desculpas... Em outras
palavras: todas as falhas dos governos passados não são falhas ou
questão de incompetência, são problemas de estrutura. Mas quando
os professores dizem que a estrutura atual do sistema de ensino
contribui muito para o fracasso escolar, o governo diz que isto é
desculpa, que é ´baboseira ideológica´, e que basta ser competente
e saber o conteúdo que tudo se resolverá.
Voltando à tão citada Finlândia, fica claro que lá os professores são competentes, como se afirma, porque bem formados, valorizados e
com condições estruturais bem melhores que as que temos no
Estado de São Paulo. Portanto, falar em qualidade em salas lotadas,
sem condições estruturais satisfatórias e sem professores bem
formados (bem diferente do tão falado sistema finlandês), é falar
para ´inglês ouvir´.
Em suma, uma educação de qualidade reside no tripé salários
dignos, condições de trabalho e compromisso profissional. Só
quando o Estado pagar salários dignos e fornecer condições para
os professores e gestores desenvolverem seu trabalho, poderá
selecionar os melhores e
até mesmo criar formas de excluir aqueles que não tenham
compromisso.
Em tempo, senhora secretária: fiz mestrado e doutorado e não
ganho o salário que estão dizendo por aí que eu ganho. Muitos
de meus colegas me perguntam por que ainda estou na educação
pública ganhando um salário tão baixo que não condiz com a
minha formação. Respondo que escolhi isto por acreditar que
estou exercendo uma profissão chave para um país que deseja
um futuro mais digno; que ainda acredito na educação e que, sim,
tenho um compromisso ideológico com a escola pública. Mas a
seguir sua visão e a visão ´vejiana´ de educação, senhora secretária
, isto deve ser mais uma das minhas ´baboseiras ideológicas´.
Profª Drª Clarete Paranhos da Silva
Supervisora de Ensino – Campinas Oeste

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